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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Saúde Mental: mudanças e expectativas para 2011

Olá pessoal, publicamos aqui o Informe ENSP, em entrevista com Paulo Amarante.


Saúde Mental: mudanças e novas perspectivas para 2011 - 03/12/010

Informe ENSP

A garantia de um novo edital do prêmio Loucos pela Diversidade, do Ministério da Cultura, para 2011, a realização da conferência brasileira de saúde mental, a discussão de uma nova linha do movimento da reforma psiquiátrica a favor da volta dos manicômios e a realização do já tradicional curso de especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial foram alguns dos assuntos debatidos com o coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP), Paulo Duarte Amarante, em entrevista ao Informe ENSP. Confira, abaixo: 

Informe ENSP: Como foi o ano de 2010 para a saúde mental? 

Paulo Amarante:O ano de 2010 foi muito importante para a saúde mental no âmbito nacional, internacional e, em especial, para nós da ENSP. Foi assinado um novo convênio de cooperação entre a Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) e a Fiocruz para a realização do novo edital do prêmio Loucos pela Diversidade para 2011. Isso mostra que o tema está sendo tratado como política de Estado e dá continuidade a uma proposta que visa estimular a produção cultural na área da saúde mental. O novo edital foi anunciado pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante a última reunião do ano do Conselho Nacional de Cultura. Para ele, essa é uma política prioritária para o Ministério. Teremos um montante de R$ 1,1 milhão. 

Este ano, também aconteceu o IX Congresso Internacional de Saúde Mental e Direitos Humanos, que o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz) participa como coorganizador desde a primeira edição, em 2002, com a Universidade Popular das Madres da Plaza de Mayo. O encontro é muito importante, e em 2010 contou com a participação de mais de 5 mil pessoas, com convidados de vários países. Durante o congresso, fizemos uma manifestação o pela aprovação da lei argentina de reforma psiquiátrica e promovemos um abaixo-assinado expressivo. Eu também assinei dentre as pessoas do Brasil, e, essa semana, tivemos mais essa conquista mundial. A lei foi aprovada pelo Senado Federal Argentino. É um avanço, e certamente esse ganho teve a influência do nosso país, pois o Brasil vem sendo uma referência nesse campo para a Argentina. O movimento também se reflete na América Latina como um todo, na medida em que vai ajudar a fomentar o debate nos países do Mercosul. 

Foi realizada, ainda, a IX Conferência Nacional de Saúde Mental - intersetorial, uma vez que não foi voltada exclusivamente para o setor saúde. Na abertura, contamos com uma conferência do secretário Especial de Direitos Humanos, o ministro Paulo Vannuchi, e também tivemos uma expressiva participação da cultura, por meio da SID/MinC e do Ministério da Trabalho. Tivemos uma programação elaborada com a participação da ENSP e eu, como membro da comissão nacional organizadora da conferência, atuei no campo da cultura, pensando em temas, mesas, na questão da diversidade e da cultura-arte no campo da saúde mental, e na programação cultural que conseguimos levar, com o apoio do Ministério da Cultura, como o Grupo Harmonia Enlouquece, o Sistema Nervoso Alterado, entre outros. Também tivemos grupos de teatro como o Tá pirando, pirado, pirou, o Bloco Cons-pirados, de Ouro Preto, o Bloco de carnaval Bibi-Tantan, de São Paulo. 

Informe ENSP: Que pontos você destaca sobre essa conferência de 2010? 

Paulo Amarante:A conferência teve muitos pontos positivos, pois conseguimos, de fato, um debate inter e multissetorial. Por outro lado, ainda carregou um caráter estatal, governamental e com pouca participação da sociedade, do controle social e dos usuários. Teve caráter muito "congressual", com debates centrados em palestras, conferências e mesas. Mas a questão é que a experiência é um processo político de construção coletiva dos princípios das política! s públicas. Para mim, deveriam existir muito mais momentos de troca, de discussão de princípios. 

Outra situação lamentável é que a conferência aconteceu no último ano de gestão do governo federal. O momento ideal é o primeiro ano de gestão, pois o novo governo poderá levar as propostas para o âmbito do Estado. Embora o novo governo seja do mesmo partido e linha de governo, nada garante que o próximo gestor tenha de adotar o que ficou decidido ou que foi proposto na outra gestão. O ideal é construir junto com os profissionais que estão assumindo o Ministério. 

Ainda em 2010, trouxemos o grupo teatral Accademia della Follia, que nasceu em um hospital psiquiátrico de Trieste, na Itália, com o espetáculoExtravagância, para uma turnê no Brasil. Eles já se apresentaram no Rio de Janeiro, mas ainda têm exibições agendadas para Salvador, Fortaleza,  e em Quixadá, no Ceará. Com essas iniciativas de atividades culturais não trazemos mais apenas o psiquiatra, o profissional de saúde mental da Itália, mas o usuário dos serviços de saúde e outras formas de expressão da reforma psiquiátrica. 

No segundo semestre de 2010 também tivemos o II Congresso Brasileiro de Saúde Mental da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Uma associação importante que veio trazer para o âmbito da saúde mental a trans e interdisciplinaridade e trans e intersetorialidade, pois além de profissionais de diversas frentes também podem participar usuários, familiares, e outros. Essas discussões propiciam uma proposta mais ampla de reforma psiquiátrica, que não é só reforma de serviço. 

Informe ENSP: E sobre a nova linha do movimento da reforma psiquiátrica, que defende a volta dos manicômios? 

Paulo Amarante: Agora, temos de enfrentar mais esse processo de contrarreforma, que é um processo muito bem situado nos empresários dos hospitais psiquiátricos. Conseguimos fechar, ao longo desses anos, mais de 40 mil leitos de hospitais psiquiátricos absolutamente precários, perversos no atendimento, que tinham baixo nível de alimentação, de tratamento, de isolamento, falta de liberdade, de direitos etc. Fechamos muitos e estamos acabando com essa cultura de que ‘louco tem de ficar internado’. Aos poucos, estamos criando a rede substitutiva, fomentando outras expressões. Não temos apenas de mudar os serviços; precisamos criar outras possibilidades por meio da cultura, do trabalho, da educação, da geração de renda e outros. 

Essa resistência contra o fechamento vem predominantemente por parte de empresários e dos setores da academia conservadora, que, não por mera coincidência, são também os empresários ou estão, de alguma forma, vinculados aos interesses empresarias dessa área. O perigo é que muitos familiares acreditam ingenuamente neles, que dizem que o hospital vai acabar e os pacientes ficarão abandonados, e esse não é o nosso propósito. 

Informe ENSP: Além do edital do Loucos pela Diversidade, já existem novos projetos para 2011? 

Paulo Amarante: Estamos com uma grande perspectiva para o prêmio de 2011 do Loucos pela Diversidade, pois, no próximo ano, terá um novo foco, em centros culturais que desenvolvem trabalhos com pessoas com sofrimento psíquico. Além disso, temos a 28ª edição do curso de saúde mental, que começou oficialmente essa semana no Rio de Janeiro, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e no Paraná. Esperamos que, no ano que vem, consigamos iniciar o curso no Amazonas e no Estado de Sergipe. Já estamos em negociação. 

Este mês, recebi um convite que me deixou especialmente feliz. Foi resultado de um projeto que realizei em 2005, na ENSP, sobre o papel do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do Distrito Federal, Pernambuco, Bahia entre outros, na reforma psiquiátrica, no âmbito do Programa Estratégico de Pesquisa em Saúde da Fiocruz (Papes IV). Na época, apontei que o Ministério Público tinha uma atuação irrelevante nessa área. Eles recebiam as comunicações de internação de pacientes e apenas arquivavam, sem analisá-las, já que o artigo oitavo da Lei 10.216 determina que! toda internação involuntária deve ser comunicada ao Ministério Público. Os profissionais da saúde mental de lá diziam que eles não tinham de julgar o diagnóstico do psiquiatra. E nós argumentamos que as condições pelas quais as pessoas foram internadas devem, sim, ser analisadas, pois o tratamento indicado pode não ser o mais indicado. 

Depois da minha pesquisa, eles desenvolveram o módulo de saúde mental, que se chama MSM, totalmente informatizado. Através dessa ferramenta, será possível acompanhar não só as pessoas com internação involuntária, mas também voluntária, internação compulsória, acompanhar os hospitais, acompanhar se a pessoa recebe um benefício, se alguém recebe por ela, se ela tem um tutor, se o tutor presta contas, se o paciente está há muito tempo internado, se foi internado muitas vezes. Esse mapa de cada paciente vai acenar para o promotor público se há um problema no tratamento ou na resposta institucional, falta de recursos institucionais o! u não hospitalares para que ela seja tratada regularmente, entre outros. 

Essa é uma grande inovação, pois com o MSM será possível identificar essas questões específicas que passam despercebidas em um processo não tão transparente. Com esse meu trabalho, que tem a participação de diversos outros pesquisadores, demos início ao Observatório de Saúde Mental e de Direitos Humanos, que nunca conseguimos tornar um Observatório permanente. Mas esse trabalho construiu bases que foram colocadas e disponibilizadas aos Ministérios Públicos Estaduais e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que possui uma comissão de saúde mental e de direitos humanos.

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