Páginas

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dignidade do usuário*

*Por Mário Alberto Dantas

Há tempos venho matutando sobre minha participação na Luta Antimanicomial. Como devo me envolver nos movimentos, sem perder o senso crítico, a autonomia e a preocupação com minha integridade moral. Em resumo, minha dignidade.
A Abrasme me proporciona intenso envolvimento democrático, e como caráter da democracia, há a pluralidade de escolhas, tendâncias e preferências.
Lembro que em 2009, quando da fundação da Abrasme-RN, fui convidado a fazer parte da sua diretoria. Não aceitei, nao por temer desafios. Sim, por crer ser injusto naquele momento desmerecer outros usuários, que havia tempos participavam do movimento.
Este ano, talvez por falta de maior presença de usuários na Abrasme, meu nome foi levantado. E bom que se diga que relutei novamente em participar. Desta vez, sob alegação de que estaria ausente de Natal a maior parte do tempo.
Lembro bem de cada participante daquela reunião de formação da única chapa da Abrasme-RN.
Sinto-me honrado em ser membro dessa diretoria.
Estou acostumado a consensos e discordâncias. Tenho orgulho de minha história nos movimentos sindicais e politico-partidários. História ate hoje envolta numa espécie de conspiração de silêncio. Em razão do passado de intensa e sistemática perseguição política contra a minha pessoa, por parte da diretoria do Banco do Nordeste.
Vale dizer, nem o Governo Lula foi capaz de admitir tais perseguições. Os motivos são óbvios.
Também certa entidade que se diz defender os interesses do funcionalismo do BNB, a AFBNB, em seu sitio www.afbnb.com.br, tem extenso histórico dessas perseguições no BNB. Fiz parte ativa da diretoria dessa entidade, na era FHC.
Nenhuma vírgula ao meu respeito.
Voltando à Abrasme, fico à vontade para reafirmar que não me sinto discriminado. Apenas, percebo no ar que não agrado a membros que não apreciam meu estilo agressivo e combativo. Respeito a todas e todos os membros da Abrasme-RN. Espero críticas, que serão bem vindas. Mas terão respostas.
Os usuários têm que receber críticas, ser cobrados e estimulados a sair da letargia em que vivem, e do circulo vicioso que se tornam as vezes os serviços substitutivos.
Repito. Há quem nao venha a gostar desta minha mensagem. Normal. Peço desculpas, mas peço passagem.

Saudações Antimanicomiais,

Mário Alberto Dantas

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Saúde Mental: mudanças e expectativas para 2011

Olá pessoal, publicamos aqui o Informe ENSP, em entrevista com Paulo Amarante.


Saúde Mental: mudanças e novas perspectivas para 2011 - 03/12/010

Informe ENSP

A garantia de um novo edital do prêmio Loucos pela Diversidade, do Ministério da Cultura, para 2011, a realização da conferência brasileira de saúde mental, a discussão de uma nova linha do movimento da reforma psiquiátrica a favor da volta dos manicômios e a realização do já tradicional curso de especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial foram alguns dos assuntos debatidos com o coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP), Paulo Duarte Amarante, em entrevista ao Informe ENSP. Confira, abaixo: 

Informe ENSP: Como foi o ano de 2010 para a saúde mental? 

Paulo Amarante:O ano de 2010 foi muito importante para a saúde mental no âmbito nacional, internacional e, em especial, para nós da ENSP. Foi assinado um novo convênio de cooperação entre a Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) e a Fiocruz para a realização do novo edital do prêmio Loucos pela Diversidade para 2011. Isso mostra que o tema está sendo tratado como política de Estado e dá continuidade a uma proposta que visa estimular a produção cultural na área da saúde mental. O novo edital foi anunciado pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante a última reunião do ano do Conselho Nacional de Cultura. Para ele, essa é uma política prioritária para o Ministério. Teremos um montante de R$ 1,1 milhão. 

Este ano, também aconteceu o IX Congresso Internacional de Saúde Mental e Direitos Humanos, que o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz) participa como coorganizador desde a primeira edição, em 2002, com a Universidade Popular das Madres da Plaza de Mayo. O encontro é muito importante, e em 2010 contou com a participação de mais de 5 mil pessoas, com convidados de vários países. Durante o congresso, fizemos uma manifestação o pela aprovação da lei argentina de reforma psiquiátrica e promovemos um abaixo-assinado expressivo. Eu também assinei dentre as pessoas do Brasil, e, essa semana, tivemos mais essa conquista mundial. A lei foi aprovada pelo Senado Federal Argentino. É um avanço, e certamente esse ganho teve a influência do nosso país, pois o Brasil vem sendo uma referência nesse campo para a Argentina. O movimento também se reflete na América Latina como um todo, na medida em que vai ajudar a fomentar o debate nos países do Mercosul. 

Foi realizada, ainda, a IX Conferência Nacional de Saúde Mental - intersetorial, uma vez que não foi voltada exclusivamente para o setor saúde. Na abertura, contamos com uma conferência do secretário Especial de Direitos Humanos, o ministro Paulo Vannuchi, e também tivemos uma expressiva participação da cultura, por meio da SID/MinC e do Ministério da Trabalho. Tivemos uma programação elaborada com a participação da ENSP e eu, como membro da comissão nacional organizadora da conferência, atuei no campo da cultura, pensando em temas, mesas, na questão da diversidade e da cultura-arte no campo da saúde mental, e na programação cultural que conseguimos levar, com o apoio do Ministério da Cultura, como o Grupo Harmonia Enlouquece, o Sistema Nervoso Alterado, entre outros. Também tivemos grupos de teatro como o Tá pirando, pirado, pirou, o Bloco Cons-pirados, de Ouro Preto, o Bloco de carnaval Bibi-Tantan, de São Paulo. 

Informe ENSP: Que pontos você destaca sobre essa conferência de 2010? 

Paulo Amarante:A conferência teve muitos pontos positivos, pois conseguimos, de fato, um debate inter e multissetorial. Por outro lado, ainda carregou um caráter estatal, governamental e com pouca participação da sociedade, do controle social e dos usuários. Teve caráter muito "congressual", com debates centrados em palestras, conferências e mesas. Mas a questão é que a experiência é um processo político de construção coletiva dos princípios das política! s públicas. Para mim, deveriam existir muito mais momentos de troca, de discussão de princípios. 

Outra situação lamentável é que a conferência aconteceu no último ano de gestão do governo federal. O momento ideal é o primeiro ano de gestão, pois o novo governo poderá levar as propostas para o âmbito do Estado. Embora o novo governo seja do mesmo partido e linha de governo, nada garante que o próximo gestor tenha de adotar o que ficou decidido ou que foi proposto na outra gestão. O ideal é construir junto com os profissionais que estão assumindo o Ministério. 

Ainda em 2010, trouxemos o grupo teatral Accademia della Follia, que nasceu em um hospital psiquiátrico de Trieste, na Itália, com o espetáculoExtravagância, para uma turnê no Brasil. Eles já se apresentaram no Rio de Janeiro, mas ainda têm exibições agendadas para Salvador, Fortaleza,  e em Quixadá, no Ceará. Com essas iniciativas de atividades culturais não trazemos mais apenas o psiquiatra, o profissional de saúde mental da Itália, mas o usuário dos serviços de saúde e outras formas de expressão da reforma psiquiátrica. 

No segundo semestre de 2010 também tivemos o II Congresso Brasileiro de Saúde Mental da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Uma associação importante que veio trazer para o âmbito da saúde mental a trans e interdisciplinaridade e trans e intersetorialidade, pois além de profissionais de diversas frentes também podem participar usuários, familiares, e outros. Essas discussões propiciam uma proposta mais ampla de reforma psiquiátrica, que não é só reforma de serviço. 

Informe ENSP: E sobre a nova linha do movimento da reforma psiquiátrica, que defende a volta dos manicômios? 

Paulo Amarante: Agora, temos de enfrentar mais esse processo de contrarreforma, que é um processo muito bem situado nos empresários dos hospitais psiquiátricos. Conseguimos fechar, ao longo desses anos, mais de 40 mil leitos de hospitais psiquiátricos absolutamente precários, perversos no atendimento, que tinham baixo nível de alimentação, de tratamento, de isolamento, falta de liberdade, de direitos etc. Fechamos muitos e estamos acabando com essa cultura de que ‘louco tem de ficar internado’. Aos poucos, estamos criando a rede substitutiva, fomentando outras expressões. Não temos apenas de mudar os serviços; precisamos criar outras possibilidades por meio da cultura, do trabalho, da educação, da geração de renda e outros. 

Essa resistência contra o fechamento vem predominantemente por parte de empresários e dos setores da academia conservadora, que, não por mera coincidência, são também os empresários ou estão, de alguma forma, vinculados aos interesses empresarias dessa área. O perigo é que muitos familiares acreditam ingenuamente neles, que dizem que o hospital vai acabar e os pacientes ficarão abandonados, e esse não é o nosso propósito. 

Informe ENSP: Além do edital do Loucos pela Diversidade, já existem novos projetos para 2011? 

Paulo Amarante: Estamos com uma grande perspectiva para o prêmio de 2011 do Loucos pela Diversidade, pois, no próximo ano, terá um novo foco, em centros culturais que desenvolvem trabalhos com pessoas com sofrimento psíquico. Além disso, temos a 28ª edição do curso de saúde mental, que começou oficialmente essa semana no Rio de Janeiro, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e no Paraná. Esperamos que, no ano que vem, consigamos iniciar o curso no Amazonas e no Estado de Sergipe. Já estamos em negociação. 

Este mês, recebi um convite que me deixou especialmente feliz. Foi resultado de um projeto que realizei em 2005, na ENSP, sobre o papel do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do Distrito Federal, Pernambuco, Bahia entre outros, na reforma psiquiátrica, no âmbito do Programa Estratégico de Pesquisa em Saúde da Fiocruz (Papes IV). Na época, apontei que o Ministério Público tinha uma atuação irrelevante nessa área. Eles recebiam as comunicações de internação de pacientes e apenas arquivavam, sem analisá-las, já que o artigo oitavo da Lei 10.216 determina que! toda internação involuntária deve ser comunicada ao Ministério Público. Os profissionais da saúde mental de lá diziam que eles não tinham de julgar o diagnóstico do psiquiatra. E nós argumentamos que as condições pelas quais as pessoas foram internadas devem, sim, ser analisadas, pois o tratamento indicado pode não ser o mais indicado. 

Depois da minha pesquisa, eles desenvolveram o módulo de saúde mental, que se chama MSM, totalmente informatizado. Através dessa ferramenta, será possível acompanhar não só as pessoas com internação involuntária, mas também voluntária, internação compulsória, acompanhar os hospitais, acompanhar se a pessoa recebe um benefício, se alguém recebe por ela, se ela tem um tutor, se o tutor presta contas, se o paciente está há muito tempo internado, se foi internado muitas vezes. Esse mapa de cada paciente vai acenar para o promotor público se há um problema no tratamento ou na resposta institucional, falta de recursos institucionais o! u não hospitalares para que ela seja tratada regularmente, entre outros. 

Essa é uma grande inovação, pois com o MSM será possível identificar essas questões específicas que passam despercebidas em um processo não tão transparente. Com esse meu trabalho, que tem a participação de diversos outros pesquisadores, demos início ao Observatório de Saúde Mental e de Direitos Humanos, que nunca conseguimos tornar um Observatório permanente. Mas esse trabalho construiu bases que foram colocadas e disponibilizadas aos Ministérios Públicos Estaduais e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que possui uma comissão de saúde mental e de direitos humanos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Carta-convite

Prezados Companheiros,

É com alegria que convidamos vocês para o evento comemorativo do 1º aniversário de fundação da ABRASME-RN a realizar-se no próximo dia 07 de dezembro às 19 horas na Universidade Potiguar, campus Roberto Freire.

Somos uma associação fundada em 27 de outrubro de 2009, composta por usuários, familiares, profissionais, docentes, pesquisadores e estudantes do campo da saúde mental. Temos por finalidade atuar como mecanismo de articulação política de trabalhadores, usuários, familiares e pesquisadores da área de saúde mental e de apoio aos trabalhadores da área de saúde, através do incentivo à formação, ensino e pesquisa em saúde mental. Para tanto, pretende favorecer a conexão entre os centros de treinamento, ensino epesquisa e os serviços de saúde mental, para o fortalecimento e ampliação do diálogo entre estes e a sociedade no Estado. Além disso, pretende consitui-se como entidade de fortalecimento da participação política e do controle social com base na troca de idéias, no debate, no enfrentamento de problemas emergentes no campo, no planejamento e execução de ações que são demandas na realidade da saúde mental da nossa região, de modo a produzir interferências importantes no campo da atenção, na cultura e em setores direta e indiretamente vinculados ao campo.

Ao longo deste ano, integramos também algumas comissões e grupos de trabalho em saúde mental de modo a contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes na produção de saúde pública de qualidade e acessivel a toda a população norte riograndense. Deste modo, acreditamos estar contribuindo de modo efetivo e concreto com a transformação e avanço da saúde mental em nosso município e Estado.Este nosso primeiro ano foi marcado por muita luta e algumas conquistas. Participamos ativamente de todas as etapas da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, importante dispositivo do controle social no campo, na qual elegemos delegados representantes nos diferentes segmentos (usuários, profissionais e intersetorialidade), conquistando legitimamente a aprovação de várias teses de interesse para os usuários da saúde mental e para o avanço do processo de reforma psiquiátrica em nossa região e no Brasil.

Além disso, participamos de vários eventos no campo da saúde mental levando nossas idéias e reinvidicações, incluindo aqui audiências públicas, fóruns de debates, congressos científicos, entre outros. Mais recentemente, participamos da mobilização dos servidores municipais da saúde contra a política de privatização do SUS e do ato público pelo descredenciamento dos leitos SUS da Clínica Santa Maria acusada de crimes de negligência, danos e violência física e moral e tortura contra usuários. Junto a outras entidades defensoras do SUS, das Reformas Sanitária e Psiquiátrica e dos Direitos Humanos a promoção de espaços de debate e luta como estes tem se revelado fundamentais no sentido de reverter situações lamentáveis como as que recentemente vêm se configurando em nossa realidade, impedir que novas atrocidades aconteçam e que os interesses corporativistas e reacionários daqueles que advogam em favor da “indústria da loucura” ganhem força.
Há ainda muito por fazer. Dentre nossos próximos desafios está o desenvolvimento de projetos que visem à efetiva inserção social e o empoderamento de usuários da saúde mental. Numa interface entre a saúde mental, a cultura e a economia solidária, vamos desenvolver ações de capacitação e criação de espaços e dispositivos de comunicação, divulgação e mobilização política de usuários e familiares. Neste sentido, tivemos o projeto “Oficinas de saúde mental e cultura: reinventando a vida na cidade de Natal” recentemente aprovado na II Chamada de Arte, Cultura e Renda na Rede de Saúde Mental - Expansão da Rede Brasileira de Saúde Mental e Economia Solidária, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Potiguar e a Secretaria Municipal de Saúde.
Além disso, tomamos como desafio expandir nossa atuação por todo o Estado do Rio Grande do Norte, de modo a sermos realmente participativos no avanço da saúde mental em nossa região.Para que continuemos crescendo e ganhado forças como entidade atuante, contamos com sua participação e colaboração em nossos eventos e reuniões. Venha participar e lutar conosco!

Abraços Antimanicomiais!

domingo, 28 de novembro de 2010

Informes da nacional

Informamos que terão direito a voto ON LINE  todos com filiação aceita até a data limite de 23:59 horas do dia 02/12/2010
Obs. Filiação aceita são todos que receberam um email do sistema pagseguro informando que seu pagamento foi aprovado ou aqueles que tiveram sua filiação abonada pela ABRASME
 
Prazos:

INSCRIÇÕES DE CHAPAS - 10/11/2010  até as  24  horas  do  dia 27/11/2010.

PERÍODO  DE  CAMPANHA  ELEITORAL–  De  28/11 a 03/12/2010. Neste período as chapas poderão colocar seus anúncios de campanha na página oficial da Abrasme, em acordo com a Comissão  Eleitoral.

PERÍODO DE VOTAÇÃO – 04 a 11/12/2010

PERÍODO DE APURAÇÃO – 12/12 A 15/12/2010

DIVULGAÇÃO DE RESULTADOS – A partir de 16/12/2010

POSSE  DA NOVA  DIRETORIA –  Será programada data  em acordo com o  calendário  oficial  da  Abrasme  para o ano 2011. Construído em conjunto com a nova Diretoria  eleita.
 
*
Durante todo processo eleitoral você poderá tirar sua dúvidas, receber orientações, fazer criticas ou sugestões ON LINE via CHAT das 9:00 as 17:00 horas, de segunda a sexta.

E durante a campanha das chapas (28/11 a 03/12)  uma página de CHAT LIVRE  estará disponivel para todos filiados acessarem,  trocarem ideias e comentarem sobre o processo eleitoral.

Acesse  a pagina da ELEIÇÕES ABRASME sempre que precisar e participe ativamente de todo processo.

http://www.abrasme.org.br/eleicoes_abrasme2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Momentos decisivos*

*Por Alex Reinecke de Alverga

Car@s,
 

Escrevo aqui para protestar, repudiar e tornar pública a minha indignação frente às denúncias de agressão, violência, humilhação e desrespeito aos direitos humanos que foram noticiadas recentemente no interior da clínica Santa Maria. Palavras estas que foram pronunciadas durante o Ato Público em frente a Clínica Santa Maria, quinta-feira passada e que acredito serem importantes de por em debate aqui.
 
Sabemos que este não é o primeiro ato criminoso a ser denunciado, nem será o último. Quantos crimes ainda precisam acontecer? Quantos crimes ainda serão silenciados?

Precisamos compartilhar o entendimento que a Reforma Psiquiátrica não avança enquanto tivermos em funcionamento instituições como esta que no lugar de oferecer tratamento e cuidados necessários para as pessoas em situação de sofrimento psíquico, cumprem o mandato social de silenciar e excluir centenas de pessoas do convívio social, de punir e agredir pessoas justamente no momento que mais necessitam de cuidados.

A Reforma Psiquiátrica vem avançando no Brasil, timidamente, mas vem. Desde a aprovação da Lei Federal 10.216 de 2001, o Estado brasileiro se responsabilizou pela efetivação da Reforma Psiquiátrica.
 
No entanto, é importante que se diga que a nossa legislação é insuficiente, que as forças conservadoras e reacionárias do nosso estado, que ainda encontram-se no executivo e no legislativo (seja pessoalmente ou pelo DNA tanto biológico, quanto ideológico-partidário), votaram todos contra a aprovação da Lei cujo projeto era do ano de 1989.
 
Ainda, é preciso dizer que o projeto original previa a gradativa extinção dos hospitais psiquiátricos e, esta proposta, que era a espinha dorsal do projeto, foi recusada dentro do consenso que foi possível entre as forças progressistas e conservadoras nos 12 anos de tramitação no Congresso Nacional.
 
Assim, a atual legislação preconiza uma reorientação do modelo assistencial e busca garantir a proteção dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental.

Esta Lei, que não é a ideal (mas é Lei!), está sendo sistematicamente descumprida. As denúncias de maus tratos são provas disto. O não funcionamento da comissão revisora das internações involuntárias, previstas também na Lei, igualmente.
 
É importante também compartilhar aqui o entendimento que a Reforma Psiquiátrica só avança com o desmonte dos hospitais psiquiátricos e com a devida realocação dos recursos humanos e financeiros para a construção de novos serviços inteiramente substitutivos ao manicômio, como os CAPS III.
 
Natal só agora possui este serviço estruturado para reforçar a rede de atenção psicossocial que está sendo desenhada, como inúmeras dificuldades há cerca de duas décadas. Mas, a existência de financiamento público para leitos da clínica Santa Maria e outros hospitais psiquiátricos, impedem e dificultam a construção de uma rede de serviços mais adequados e que ofereçam tratamentos e cuidados mais dignos.
 
A noção de que o descredenciamento gera falta de assistência, que o movimento da Luta Antimanicomial é contra internações que por ventura e, em um último caso possam ocorrer, como está previsto nos CAPS III e deveria ocorrer também em Hospitais Gerais, tais argumentos são falaciosos e oportunistas, pois a Reforma Psiquiátrica é uma luta também pelo aumento do financiamento e expansão dos serviços, mas serviços não manicomiais. Neste sentido, é que devemos encampar também o apoio à aprovação da Emenda Constitucional 29 para assegurar o financiamento mínimo das ações de saúde.
 
Portanto, acredito que a sociedade civil organizada, trabalhadores, estudantes, usuários e população em geral devem se posicionar frente este momento decisivo. A conjuntura da saúde e especificamente da saúde mental é complexa, mas em momentos como este, em que notícias da barbárie manicomial nos chegam até pela grande mídia, torna-se facilmente polarizável: afinal, de que lado estamos?
 
Exigindo o descredenciamento dos leitos do SUS da clínica Santa Maria e com isto estabelecendo que estes recursos sejam repassados para a abertura de serviços que realmente cuidem de seus usuários?

Ou apenas nos omitindo e assinando em baixo de uma história de alianças criminosas, interesses espúrios e atentados à dignidade humana?
 
Chega de uma história perversa marcada pela aliança entre as forças políticas conservadoras e a “indústria da loucura”. Não podemos permitir que crimes contra a humanidade continuem acontecendo com incentivo público.
 
Pelo descredenciamento dos leitos dos SUS da clínica Santa Maria já!!!
 
Saudações Antimanicomiais!


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Olha a contra-reforma aí, gente!

O comentário abaixo foi postado NESTE SITE pela coordenadora de saúde mental de Mossoró E diretora do hospital psiquiátrico São Camilo de Lellis. Ele demonstra o retrocesso que a reforma psiquiátrica poderá sofrer em breve em nosso estado, pelo modo como essas forças mais consevadoras estão se articulando.  Não podemos deixar que este tipo de posicionamento passe por cima de tantos anos de movimentos e avanços na assistência com a Lei 10.216/2001 - Paulo Delgado - (a qual nem acreditamos ser suficiente, pois não prevê a extinção do manicômio).


Reforma a Assistencia Psiquiatrica - Mossoro-RN

Cara Rosalba, inicialmente nossos Parabens por seus pertinentes e preciosos pronunciamentos em defesa da Saude Mental e pela instituição de uma Reforma à Assistencia Psiquiatrica sem o peso da ideologia das Lutas Antimanicomiais, onde fechar os Manicomios e Hospitais Psiquiatricos se tornou o objetivo central, e como se assim a luta teria alcançando seu objetivo final... Estamos todos orgulhosos de nossa Senadora e futura Governadora. Aproveito o espaço para participar nossos anseios em ver voce solicitar uma emenda a poderosa LEI PAULO DELGADO, corrigindo-a e adaptando-a aos novos tempos, adequando-a ao futuro. Sabemos da necessidade dedisciplinar os internamentos de pacientes com agravos severos de Saude Mental comprometida, mas impedir que se constituam novos hospitias psiquiatricos, reformar o hospitais existentes, concluimos ser tambem uma forma de preconceito, e um retrocesso no tratamento de nossos pacientes, que necessitam de tratamento especializado. Será que algum dia alguma politico em san consciencia poderia pensar em proibir a construção de Hospitais do Coração, Hospital do RIM, Hospitias de atendimanto Traumatologico - Proibir a reforma e avanço dos SHARAS, seria no minimo um absurdo... Então porque fazer isso com a Saude Mental??? Carissima Rosalba voce entrou agora vc vai ter que ir até o fim... Vamos corrigir essa Lei e liberar a sobrevida de Hospitais Psiquiatricos como o São Camilo de Lellis, que presta um inestimavel serviço a Mossoró e Região, é citado como referencia em trabalhos internacionais de psiquiatria no tratamento da Esquizofrenia, e está fadado a morrer por inanição asfixiado na marginalidade provocada pela LEI PAULO DELGADO, que creio ter sido feito na emoção da revolução. Todos os paises que embarcaram nesse preciosismo, moda nos anos 60/70 ja voltaram atrás, e se adapataram: Italia, França, EUA, etc. Precisamos que voce faça a correção deste percurso, corrigindo este retrocesso, nos libertando para trabalharmos tendo como meta todos os progressos que nos oferecem a ciencia moderna. Gostariamos muito que voce estando em Mossoró, venha participar de uma reunião coletiva no Hospital Municipal Sao Camilo de Lellis, em que teremos com pauta O HOSPITAL PSIQUIATRICO MODERNO e a Reforma à Assistencia Psiquitrica - Libertando-se dos sequitarismos, para uma Assitencia Integral à Saude Mental.
Como sua agenda é mais dificil de conciliar, aguardamos uma data para esta visita a nossa unidade, que hoje conta com 160 pacientes internos e cerca de 140 funcionarios entre Medicos, Psicologos, Enfermeiros, Terapautas Ocupacionais, Asistentes Socias, etc... Aguardamos sua resposta, qualquer data será BEM-VINDA . Sua colega... 
Dra Fatima Trajano - Hoje diretora do Hospital São Camilo e Coordenadora de Saude Mental de Mossoró.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

FILIAÇÃO

Ei, você já se filiou a Associação Brasileira de Saúde Mental? Não? Lembramos que falta pouco para aproveitar o abatimento de 50% no preço da anuidade, válido só até este mês! A nossa eleição está se aproximando e só pode participar quem já estiver filiado, portanto se você ainda não se cadastrou, não deixe essa oportunidade passar batida. Basta entrar no site (está ali ao lado em "outras loucuras na rede"), fazer o cadastro e o pagamento (ou solicitar isenção). Abaixo, o comunicado da ABRASME nacional sobre a campanha de filiação.



Filie-se à ABRASME, milite pela Reforma Psiquiátrica, seja um ator no avanço do campo da Saúde Mental e da Atenção Psicossocial


A Associação Brasileira de Saúde Mental - ABRASME está completando, em dezembro de 2010, o seu terceiro ano de criação. Nesse período, pudemos evidenciar um acúmulo de experiências e ações exitosas na direção da construção de um movimento de luta pela consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Pouco a pouco tecemos uma rede de participantes, em diversos estados e regiões brasileiros, organizada a partir de ABRASMEs locais, que tem sido capaz de identificar problemáticas particulares em saúde mental que acometem os seus vários contextos socioculturais e políticos, buscando encontrar soluções e formas de enfrentamento possíveis para superá-las. Nesse sentido, destacam-se a participação em movimentos locais de defesa dos direitos dos usuários de saúde mental, a participação ativa em eventos culturais e científicos que reposicionam o lugar da loucura na sociedade, o apoio a modalidades de formação de profissionais mais engajados e menos hierarquizados na sua atuação, a organização de congressos que fomentaram debates acerca de temas, como direitos humanos, economia solidária, saúde mental de populações carcerárias, etc., temas absolutamente relevantes para a promoção de uma Reforma mais política, crítica e antimanicomial.

domingo, 21 de novembro de 2010

Outras Vozes

É sempre bom descobrir coletivos no mundo afora que criam materiais interessantes sobre/com a saúde mental. O encontro mais recente que a internet proporcionou foi o VOZES DA VOZ, grupo de cinema independente que trabalha com a temática. 

Nascida em março do ano passado, essa articulação entre a sétima arte, loucura e militância já rendeu frutos - como o documentário homônimo Vozes da Voz, para o qual foi realizado um  um resgate histórico das instituições psiquiátricas no Brasil (mais precisamente em São Paulo), além de - não poderia ser diferente - um registro de diversas vozes acerca de tratamento, destacando o modo psicossocial. Em suas criações, o grupo busca, acima de tudo, exibir poeticamente as histórias de vida que encontram, vidas estas que não podem ser reduzidas a um diagnóstico nem trancafiadas em manicômios. 

Veja uma prévia do filme:



Vale a pena também acessar o site do grupo, no qual são postadas notícias e divulgados eventos relacionados à saúde mental: www.vozesdavoz.wordpress.com

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

5ª Mostra de cinema e direitos humanos da América do Sul


Pelo segundo ano, a 5ª Mostra de cinema e direitos humanos da América do Sul chega a Natal. Trata-se de uma realização da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com produção da Cinemateca Brasileira, patrocínio da Petrobras e apoio do SESC-SP, da TV Brasil e do Ministério das Relações Exteriores. Com todas as sessões gratuitas, a Mostra aqui teve início ontem e estende-se até o dia 25. As exibições estão acontecendo no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP), localizado no prédio anexo à Fundação José Augusto. Vale a pena dar uma conferida! 

Para mais informações, acesse o SITE da Mostra.

Programação:


Fotos do Ato Público Santa Maria

Quem tortura não quer tratar! Santa Maria, nós viemos te fechar!
Sou da ABRASME, digo e repito: em manicômio nenhum eu acredito!



Servindo somente a psiquiatria

O pessoal se preparando para fechar a Ayrton Sena

Movimentando

Max com a boca no(a): 1. trombone, 2. microfone, 3. botija?


ABRASME e Plural

Abaixo os manicômios

Por enquanto é isso, pessoal. Depois postaremos mais fotos e o vídeo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ato público HOJE na Clínica Santa Maria

Depois das denúncias de maus tratos causados a internos na Clínica Santa Maria e da vistoria realizada pelo Conselho Municipal de Saúde, ocorrerá um ato público, hoje, em frente ao manicômio não apenas em favor do descredenciamento dos leitos SUS, como do fechamento da Clínica - conforme o manifesto abaixo:


Veja AQUI a notícia veiculada pela Intertev Cabugi sobre a vistoria realizada na Clínica pela comissão formada pelo Conselho Municipalde Saúde, a ABRASME-RN e a Associação Plural.


Nós da ABRASME-RN convidamos todos aqueles que se posicionam contra a toda violência e enclausuramento em nome da cura para juntar-se a nós e fecharmos este manicômio. A Clínica Santa Maria está localizada na R. Américo Soares Wanderley, s/n - Capim Macio. 



Até lá!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Eventos interessantes

I Seminário Interdisciplinar sobre Comunicação, Mídias e Direitos Humanos - Cenários local, regional e global

Tem como objetivo principal realizar um debate interdisciplinar em torno das questões atuais, nos diversos cenários: local, regional e global, que envolvem a comunicação social, o uso das mídias e efetivação dos direitos humanos.
Quando? Quarta-feira, dia 3 de novembro - com início as 8h
Onde? Laboratório de Comunicação - UFRN

Para mais informações e programação, veja AQUI.




I Encontro de Comunicação Comunitária e Alternativa


Organizado pelo Grupo de Pesquisa Programática da Comunicação e da Mídia, o evento tem o propósito de reunir e estreitar o debate entre iniciativas de mídia comunitária e alternativa. Contará com a participação de professores especialistas no assunto, jornalistas, bem como lideranças comunitárias e representantes de projetos de comunicação alternativa. No site Convergência digital e Comunicação Comunitária você pode conhecer os projetos e as produções do grupo, além de conhecer alguns dos projetos de comunicação comunitária que estarão presentes no encontro para compartilhar suas experiências. As inscrições são realizadas até dia 9 pelo site, onde você também confere a programação.
Quando? Dia 11 de novembro, das 8 as 18h
Onde? Laboratório de Comunicação (LABCOM) - UFRN

Para mais informações e dúvidas, o email de contato é 
convergecom.pesquisa@gmail.com





Bom, nos vemos por lá. E à medida que soubermos de mais eventos, vamos postando por aqui!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SONHANDO COM O IMPOSSÍVEL

Pessoal, que esse depoimento nos inspire no campo da Reforma Psiquiátrica, para sermos agentes de transformação e termos uma universidade comprometida com esse processo social!
Abs
Magda


SONHANDO COM O IMPOSSÍVEL
Miguel Nicolelis


O Neurocientista Miguel Nicolelis, em aula inaugural do segundo semestre de 2009 na Universidade de Brasília (UnB), quebra o protocolo, e em sua surpreendente Aula da Inquietação é ovacionado por um público emocionado.
"Vocês, principalmente os que estudam em universidades públicas, representam os sonhos de realização de milhões de pessoas que jamais poderão vir para cá. São brasileiros que diariamente levantam da cama para trabalhar em empregos que muitos de nós jamais teríamos a coragem de enfrentar no nosso dia-a-dia, para que vocês possam estar aqui.

O sonho que não se converte em realidade inibe o indivíduo que perde a autoconfiança e o pior, causa a inibição coletiva do entorno que vê um sonhador derrotado. Quando um sonhador delirante é derrotado, a mediocridade triunfa e isso é terrível.

CAMPANHA DE FILIAÇÃO

Olá a todos

A Abrasme-Associação Brasileira de Saúde Mental, filiada à Abrasco, está iniciando uma campanha de filiação/renovação, com desconto de 50% na anuidade, nos meses de outubro e novembro, anuidade válida até 2011 e, mediante filiação/renovação, dará direito a voto para escolha da nova diretoria.

No site da Abrasme: www.abrasme.org.br, já está disponível a carta convite para a campanha de filiação.

Vamos divulgar nas mais diversas redes!
Abs

Magda

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Vagas para atuação no PET-Saúde Mental

Atenção interessados, é só até AMANHÃ:

Sesap abre vagas para atuação no PET Saúde Mental

Foi publicada no Diário Oficial do Estado, desta terça-feira (26), a abertura de processo seletivo simplificado para orientadores do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde Mental – PET Saúde Mental.

A seleção é uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS), Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tendo suas atividades voltadas na área de atenção em saúde mental, crack, álcool e outras drogas.

domingo, 24 de outubro de 2010

Sorôco, sua mãe, sua filha

Para um final de domingo com mais poesia, segue um conto de Guimarães Rosa. E que os trens não levem as nossas cantigas desatinadas de cada dia para longe...


Sorôco, sua mãe, sua filha - João Guimarães Rosa*





Aquele carro parara na linha de resguardo, desde a véspera, tinha vindo com o expresso do Rio, e estava lá, no desvio de dentro, na esplanada da estação. Não era um vagão comum de passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo novo. A gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os presos. A gente sabia que, com pouco, ele ia rodar de volta, atrelado ao expresso daí de baixo, fazendo parte da composição. Ia servir para levar duas mulheres, para longe, para sempre. O trem do sertão passava às 12h45m.

As muitas pessoas já estavam de ajuntamento, em beira do carro, para esperar. As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam, cada um porfiando no falar com sensatez, como sabendo mais do que os outros a prática do acontecer das coisas. Sempre chegava mais povo – o movimento. Aquilo quase no fim da esplanada, do lado do curral de embarque de bois, antes da guarita do guarda-chaves, perto dos empilhados de lenha. Sorôco ia trazer as duas, conforme. A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.
A hora era de muito sol – o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro. O carro lembrava um canoão no seco, navio. A gente olhava: nas reluzências do ar, parecia que ele estava torto, que nas pontas se empinava. O borco bojudo do telhadilho dele alumiava em preto. Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma, e que a gente não pudesse imaginar direito nem se acostumar de ver, e não sendo de ninguém. Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os lugares são mais longe.

O Agente da estação apareceu, fardado de amarelo, com o livro de capa preta e as bandeirinhas verde e vermelha debaixo do braço. – "Vai ver se botaram água fresca no carro..." – ele mandou. Depois, o guarda-freios andou mexendo nas mangueiras de engate. Alguém deu aviso: – "Eles vêm!... " Apontavam, da Rua de Baixo, onde morava Sorôco. Ele era um homenzão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma barba, fiosa, encardida em amarelo, e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam medo dele; mais, da voz, que era quase pouca, grossa, que em seguida se afinava. Vinham vindo, com o trazer de comitiva.

Aí, paravam. A filha – a moça – tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papeis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam.

Sorôco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles transmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de Sorôco – para não parecer pouco caso. Ele hoje estava calçado de botinas, e de paletó, com chapéu grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus respeitos, de dó. Ele respondia: – "Deus vos pague essa despesa... "

O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes, Sorôco agüentara de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava. Daí, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as providências de mercê. Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado o carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir.

De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi se sentar no degrau da escadinha do carro. – "Ela não faz nada, seo Agente..." – a voz de Sorôco estava muito branda: – "Ela não acode, quando a gente chama..." A moça, aí, tornou a cantar, virada para o povo, o ao ar, a cara dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo, mas representava de outroras grandezas, impossíveis. Mas a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento muito antigo – um amor extremoso. E, principiando baixinho, mas depois puxando pela voz, ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam junto, não paravam de cantar.

Aí que já estava chegando a horinha do trem, tinham de dar fim aos aprestes, fazer as duas entrar para o carro de janelas enxequetadas de grades. Assim, num consumiço, sem despedida nenhuma, que elas nem haviam de poder entender. Nessa diligência, os que iam com elas, por bem-fazer, na viagem comprida, eram o Nenêgo, despachado e animoso, e o José Abençoado, pessoa de muita cautela, estes serviam para ter mão nelas, em toda juntura. E subiam também no carro uns rapazinhos, carregando as trouxas e malas, e as coisas de comer, muitas, que não iam fazer míngua, os embrulhos de pão. Por derradeiro, o Nenêgo ainda se apareceu na plataforma, para os gestos de que tudo ia em ordem. Elas não haviam de dar trabalhos.

Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorcôo do canto, das duas, aquela chirimia, que avocava: que era um constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...