Data:20/05/2011
Autor:Wander Veroni
O escritor e médico psiquiatra Dr. Paulo Amarante, 58 anos, é mestre em Medicina Social (UERJ) e doutor em Ciências da Saúde (ENSP/Fiocruz) com estágio de doutorado em Trieste (Itália) e pós-doutorado em Imola (Itália). Ele é carioca, pesquisador titular e coordenador do laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Um dos livros mais famosos de Paulo Amarante é "Loucos pela Vida: a Trajetória da Reforma Psiquiátrica", lançado pela Editora Fiocruz. A obra é o resultado de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Publica/Fiocruz e que abre caminho para a construção de outras possibilidades para as pessoas com sofrimento psíquico. Paulo também é autor e organizador de vários livros que abordam estudos sobre saúde mental e reforma psiquiátrica aqui no Brasil, como por exemplo, o livro "Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica", que conta como foi este processo que levou várias instituições a trabalhar de forma mais humanizada os doentes mentais no Brasil.
Atualmente, ele lançou um novo livro, o “Saúde Mental e Atenção Psicossocial”, pela Editora Fiocruz ao preço de R$ 15. De acordo com o autor, a ideia desta coleção Temas em Saúde é publicar livros com temas de interesse geral, voltados para a população e não apenas os profissionais da área, com linguagem simples e preço acessível.
“O importante é que seja uma fonte de informação e esclarecimento sobre temas cruciais para a saúde da população. Desta forma, o livro aborda o porquê da necessidade de mudar o modelo assistencial psiquiátrico, acabando com os hospícios e substituindo-os por formas mais solidárias e eficientes de tratamento, ao mesmo tempo em que são formas que não segregam os sujeitos com transtorno mental, pelo contrário, trabalha no sentido de sua inclusão como cidadãos”, afirma o médico psiquiátrica. A convite da Equipe de Web Jornalismo do Portal Minas Saúde, Paulo fala com exclusividade sobre a luta anti-manicombial e os desafios do sistema de saúde de introduzir um atendimento convergente às propostas de humanização. Acompanhe a entrevista abaixo:
Portal Minas Saúde - Quando falamos em doença mental, muitas pessoas ainda fazem a ligação aos sanatórios. O processo de “des-hospitalização” ajudou a diminuir o preconceito?
A psiquiatria tradicional é que construiu esta imagem de que a pessoa com transtorno mental é louca, insana, insensata, perigosa, etc. Nós que compartilhamos de uma nova visão da psiquiatria precisamos mudar esta visão, demonstrando que não e assim, que é possível tratar as pessoas com outras bases, mais solidária e ética, sem excluí-la e sem ferir sua dignidade.
Portal Minas Saúde - A diminuição do número de leitos da saúde mental, no caso de pacientes mais graves ou que cumprem pena, ainda é uma questão muito discutida. O que pode ser feito?
É necessário investir em novos serviços, o que implica em investir também em novos profissionais, formar quadros com novas bases conceituais, científicas e éticas. Na prática estamos demonstrando que estas hipóteses são verdadeiras. Centenas de pessoas que viviam abandonadas, esquecidas, em manicômios, com observações de degeneração, sem possibilidades clínicas, e assim por diante, se tornaram cidadãos, artistas, militantes, moram em casas, passeiam, se divertem, vivem nas cidades, contrariando radicalmente as idéias que se tinha sobre elas.
Portal Minas Saúde - Estresse, ansiedade, depressão, bipolaridade, são algumas doenças mentais “comuns”, que o público leigo já possui algum tipo de familiaridade. No entanto, podemos perceber certa resistência ou até mesmo preconceito quanto ao tratamento. Na sua opinião, como mudar esse panorama? Hoje em dia, as pessoas podem ter mais acesso ao tratamento pelo SUS?
É preciso ter muito cuidado com esta posição mais ou menos naturalizada do crescimento destas “doenças mentais” na população. E é preciso inclusive desconfiar destas pesquisas. Uma importante pesquisadora dos EUA, Marcia Angell, em seu livro sobre a indústria farmacêutica (A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, Ed. Record) nos alerta de maneira muito série e fundamentada sobre este golpe da medicalização do social, e já se fala em invenção da doença para vender mais remédios (mongering deseases). De qualquer forma, as pessoas com necessidade de tratamentos têm mais acesso ao SUS, mas deveriam ter mais. O mercado dos planos de saúde tem aumentado muito e tem tomado espaços que deveriam ser do SUS.
Portal Minas Saúde - Você é autor e organizador de vários livros sobre saúde mental e reforma psiquiátrica. O que o motivou a escrever sobre isso?
É um tema muito importante. O que me motivou, principalmente, foi a necessidade de fundamentar, tanto no âmbito da ciência quanto no âmbito da filosofia, que a reforma psiquiátrica tinha princípios sólidos e que não se tratava “somente” de uma luta pela dignidade humana, o que não é muito pouco. O tema está em franco crescimento. Na Editora Fiocruz eu sou editor de uma coleção, que denominamos de Loucura & Civilização, que teve, nos últimos anos, três títulos na lista dos indicados ao Prêmio Jabuti. Na Revista Saúde em Debate, que agora completa 35 anos, da qual eu sou editor, este é um dos temas mais abordados pelos autores. A revista é de saúde como um todo!
Portal Minas Saúde - Para finalizar, nos conte qual livro publicado que mais gostou e qual teve (ou tem) uma repercussão positiva? Você se dedica muito a produção e a pesquisa sobre este tema? Conte-nos um pouco sobre a sua rotina de trabalho?
Eu gosto de muitos de meus livros, mas talvez o que tenha tido um maior impacto, por ter sido uma ferramenta de transformação na mão de muitos profissionais, de muitos atores militantes da reforma psiquiátrica, é o Loucos pela vida – a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. É um livro que eu lancei em 1994 e que teve várias reedições e reimpressões. Teve uma época que eu decidi não mais publicá-lo. Fiquei cinco anos com ele esgotado. Foi uma gritaria geral: recebi inúmeros emails e recados, além de pessoas que iam me ver em congressos, seminários, etc., que cobravam a reedição. Uns diziam, eu tenho a fotocópia, mas eu quero o livro.